Tudo se transforma. Esta máxima, frequentemente usada para explicar fenômenos físicos, também faz sentido para o universo da decoração. Já parou para pensar, por exemplo, em como as cozinhas deixaram de ser ambientes totalmente brancos e passaram a ganhar mais cores ao longo dos anos? A mudança, que não chama tanta atenção para quem não trabalha com arquitetura, não ocorreu por acaso e encontra razões, inclusive, na própria história e psicologia.
A tradicional preferência pelo branco para o espaço das refeições está relacionada à ideia de assepsia, principalmente pela necessidade de limpeza que o local implica. No início do século XX, a discussão sanitária e higienista que se disseminava na Europa acabou por moldar o conceito reservado ao ambiente, o que influenciou as escolhas no Brasil algumas décadas depois. Com o passar do tempo, porém, a paleta se provou ideal por outros motivos, como explica o arquiteto e coordenador da graduação e pós em design de interiores no Instituto Europeu di Design (IED), Alexandre Salles: "essa escolha tem relação com os aspectos técnicos e até mesmo psicológicos que a cor proporciona, demonstrado, por exemplo, pela reflexão à luz, fazendo com que o ambiente traga uma atmosfera mais clara e agradável."
Além disso, o branco garante uma sensação de tranquilidade, amplitude e organização visual. "Traz a atemporalidade como recurso estratégico e uma boa base para composição de outros elemento com cor no ambiente, como eletrodomésticos, mobiliários e objetos", disse Alexandre. O arquiteto explica ainda que, tendo a monotonia como contraponto e se sustentando em uma materialidade neutra, o branco pode ser aplicado para alcançar uma estética minimalista.
Mudanças
Nos últimos tempos, entretanto, outros tons invadiram o décor da cozinha. Segundo a arquiteta e professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Juliana Suzuki, para entender a transformação é preciso, mais uma vez, voltar no tempo.
"Até o século XIX, as cozinhas eram território dos escravos e ficavam nos fundos das casas. Com a abolição da Escravatura, ela passa a ser um espaço único, ainda generoso em termos de tamanho, mas visto como área ligada à vida íntima das famílias. À medida que caminhamos pelo século XX, elas vão diminuindo de tamanho por várias razões: os avanços tecnológicos nos equipamentos domésticos, cuja eficiência dispensaria grandes áreas de preparo de alimentos; a modificação dos modos de vida, principalmente com a entrada crescente da mulher no mercado de trabalho; e a concentração da população nas áreas urbanas, onde o espaço é, sem dúvida, mais escasso do que no Brasil rural", explicou.
Tudo isso contribuiu para que as cozinhas, antes tão amplas, tornassem cada vez mais reduzidas e funcionais. Já na última década do século XX, ela deixa de ser um ambiente de serviço e passa a ser incorporada à área social das habitações mais abastadas. "Não é incomum vermos, hoje em dia, cozinhas integradas à sala de estar, sem barreiras ou paredes entre os ambientes, com ilhas de cocção e espaço para receber convidados. Entendida como área social, portanto, ela pode receber tratamentos diversos, com cores e texturas completamente diferentes das anteriores, mais ligadas ao aspecto higienista", afirmou Juliana.
Tendências
Tida agora dentro deste contexto mais social – intensificado, inclusive, pelo tempo em casa após a pandemia de COVID-19 –, as possibilidades para o espaço são diversas. Para a gerente de novos negócios da WGSN (Worth Global Style Network), Marianna Nolasco, a ousadia do morador é outro fator que proporciona a inserção de novas cores no cômodo. "A cada dia surgem novas possibilidades de melhores custos, permitindo uma gama muito maior de caminhos para o design de interiores e de mudanças em menos tempo. Podendo fazer mudanças com maior facilidade e menos custosas, o consumidor se torna mais ousado em suas decisões", disse.
Segundo a empresa de previsão de tendências, hoje é possível perceber que, com a crescente valorização de bem-estar relacionado a uma estética relaxante, tons neutros calmantes ganham espaço e se tornam protagonistas na estética da cozinha. Cores como bege, cinza, creme e terracota dão a elas uma sensação tranquila de santuário, que pode ser personalizada por utensílios e eletrodomésticos.
Uma outra tendência futura, para o coordenador do IED-SP, será uma ainda maior conexão com o estilo de vida dos usuários. Para Alexandre, será possível encontrar cores miméticas à natureza (terrosas, celestes, rosas, aquareladas), materiais naturais (madeira e palhas), combinadas a uma curadoria de mobiliário de diferentes origens e formatos.
"O estilo será o usuário. O ambiente vai se hibridizar cada vez mais com as demais especialidades da casa, seja dotado de simplicidade, curadoria afetiva, tecnologia de baixo impacto, consciência ambiental e sustentabilidade e de elementos de memória. Um espaço cada vez mais da experiência coletiva, do receber, do compartilhar, do criar e do ensinar, pluralizando cada vez mais o caráter funcional da cozinha", finalizou Alexandre.
fonte: casa&Jardim, escrita por Yara Guerra e Alex Alcantara
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